Guajará-Mirim,

Estudo sobre anticorpos de camelídeos deve auxiliar terapêutica e diagnóstico de doenças negligenciadas em Rondônia
Estudo de camelídeos também envolve pesquisadores do Ceará, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro

Publicado 09/04/2021
Atualizado 09/04/2021
A A

Produzir medicamentos a partir de anticorpos de camelídeos (popularmente conhecidos por lhamas) para combater e controlar doenças negligenciadas, é o desafio do Laboratório de Engenharia de Anticorporpos da Fundação Oswaldo Cruz Rondônia (Fiocruz-RO). O trabalho em andamento tem o apoio financeiro do Governo de Rondônia, por intermédio da Fundação de Amparo ao Desenvolvimento das Ações Científicos e Tecnológicas e à Pesquisa em Rondônia (Fapero). Os resultados atenderão a futuras demandas da Secretaria Estadual de Saúde (Sesau).

Ao transportar três machos e uma fêmea de lhamas de Curitiba (PR) para Porto Velho, a Fiocruz deu um grande passo para o avanço da ciência em Rondônia.

Dada as suas propriedades, camelídeos sul-americanos podem representar importante arma para aplicações na imunoterapia e auxiliar no diagnóstico de doenças que afetam diretamente o homem. A Fiocruz-RO começou a trabalhar com esses animais em 2004, todos facilmente adaptados ao clima quente e úmido da Amazônia, em Porto Velho.

“Desde o início do estudo conseguimos evoluir, buscando na avaliação periódica a qualidade de excelência”, avalia a pesquisadora em saúde pública, doutora Soraya Santos. Ela é responsável pelo desenvolvimento de pesquisas com os nanocorpos na Fiocruz-RO. Segundo explicou a pesquisadora, em acidentes com ofídicos, a pesquisa estuda proteínas e toxinas que compõem o veneno. Os grupos de moléculas são isolados no Centro de Estudos de Biomoléculas Aplicadas à Saúde (CEBio) da Universidade Federal de Rondônia (Unir).

“O que é interessante para nós?”, indaga Soraya. “Induzir que os camelídeos produzam anticorpos que podem ser isolados; são feitos os testes de reconhecimento ou não reconhecimento, e a separação indicará a aplicação em terapêutica ou diagnósticos”, explica.

O grupo tem avançado na consolidação da pesquisa de cunho biotecnológico na região Norte. No laboratório, desenvolve nanocorpos ativos contra alvos virais e toxinas relevantes no envenenamento de serpentes. Os resultados apontam para o potencial desses insumos como produtos aplicáveis na terapêutica desses agravos.

Nanocorpos de camelídeos apresentam três pilares que estão relacionados:

Aumentar o conhecimento fundamental das características e aplicação dos nanocorpos de camelídeos;
Ampliar a eficácia dos nanocorpos e estender suas aplicações em campos médicos ou biotecnológicos nos quais as propriedades exclusivas dos nanocorpos oferecem vantagem sobre outros formatos de anticorpos convencionais disponíveis; e
Desenvolver novas estratégias de produção e otimização das propriedades dos nanocorpos, a partir do desdobramento de estudos desenvolvidos com outros colaboradores, entre os quais, a Fiocruz Ceará.
Por que os camelídeos despertam tanto interesse científico?

Além de anticorpos convencionais, eles produzem  anticorpos menores, formados apenas por cadeia pesada. “Os anticorpos compreendem as principais moléculas de defesa produzidas pelo sistema imunológico”, explicou a pesquisadora.

“Uma das vantagens dos anticorpos de lhamas, é que devido ao seu pequeno tamanho alcançam regiões inacessíveis a anticorpos convencionais”.

Segundo Soraya, para produzirem anticorpos menores, os animais são expostos a diferentes alvos, a partir da inoculação de proteínas do vírus ou toxinas isoladas do veneno de serpente, de forma muito parecida com a imunização dada pelas vacinas.

“Após as inoculações é possível separar e produzir os anticorpos de forma recombinante em laboratório, e avaliar sua capacidade de reconhecimento e atividade em ensaios in vitro e in vivo”, assinalou. Segundo ela, além de buscar a produção de biomoléculas com potencial farmacêutico aplicável à Saúde Pública, a Fiocruz-RO contribui com a formação de capital intelectual em diferentes níveis de conhecimento.

“As pesquisas envolvem alunos de graduação e do Programa de Pós-Graduação em Biologia Experimental da Universidade Federal de Rondônia (Pgbioexp), e Pós-Graduação em Biotecnologia (Pgbionorte) da Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Rede Bionorte)”, disse a pesquisadora.

Nada dessas experiências se restringe apenas a Rondônia. Com a equipe da Fiocruz-RO, estão trabalhando pesquisadores da Fiocruz Ceará e Fiocruz Ribeirão Preto (SP), além de outras instituições em Rondônia, entre as quais, o Centro de Pesquisa em Medicina Tropical (Cepem), Sesau, Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen-RO), Fundação Unir, Instituto Carlos Chagas (ICC- Fiocruz Paraná), e Instituto Oswaldo Cruz (IOC) no Rio de Janeiro.

BEM ADAPTADOS

Camelídeos sul-americanos, ou do “novo mundo” (alpaca, lhama, guanaco e vicunha), pertencem à mesma família dos camelídeos do “velho mundo” (camelo e dromedário). São animais herbívoros e se assemelham aos ruminantes quanto à digestão da celulose, em pré-estômagos, para aquisição de energia.

Lhamas e alpacas são facilmente domesticáveis e muito dóceis com humanos. Por esse motivo são domesticados há milhares de anos por povos nativos nas Cordilheiras dos Andes. São animais utilizados principalmente para consumo (carne e lã) e tração (cargas).

De modo geral são animais rústicos, adaptados a ambientes hostis para a maioria dos mamíferos, os desertos especialmente. No caso dos camelídeos sul-americanos, estes se adaptaram ainda ao clima frio de altitude das Cordilheiras, com uma produção intensa de lã.

Por serem adaptados a ambiente desértico com escassez de vegetação, também desenvolveram seu aparelho digestório de modo a otimizar a digestão da celulose, quando comparado aos ruminantes comuns (bovinos, ovinos e caprinos).

Duas vezes por ano, os médicos veterinários fazem a tosquia, para facilitar a sua adaptação ao clima quente. Ao mesmo tempo, para que mantenham a lã curta, facilitando a troca de temperatura corpórea com o ambiente. Esses animais também se adaptaram muito bem à alimentação de forragens cultivadas na região: braquiárias, capim-elefante e capim-mombaça.

Uma parceria entre a Fiocruz-RO e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) permite a aquisição dessas forragens diariamente. Elas chegam verdes ao biotério e são cortadas para alimentação dos animais.

Adicionalmente, é fornecido feno de Tifton-85 à vontade, e dessa maneira sempre há oferta de volumosos que consistem na base da alimentação deles. Para complementação da alimentação volumosa é fornecida uma quantidade controlada diária de ração de equinos e sal mineral.

E assim, os animais são mantidos e acompanhados diariamente na Fiocruz-RO por colaboradores experientes e capacitados, de modo que estejam em bom estado de saúde para o desenvolvimento das atividades de pesquisa.

EQUIPE

Esta é a equipe que trabalha com camelídeos na Fiocruz-RO: veterinários doutores: André de Abreu Rangel Aguirre, Keityane Boone Bergamaschi, Norton Rubens Diunior Lucas Pejara Rossi. E, pesquisadora responsável: Dra. Soraya Santos.

A Fiocruz tem ampliado sua presença no território nacional, e em Rondônia atua e contribui para o conhecimento das doenças tropicais, patologias infecciosas e parasitárias, além do desenvolvimento de pesquisas voltadas para bioprospecção, a partir de venenos de animais e isolados de plantas, e biotecnologia para geração de produtos aplicáveis ao diagnóstico e tratamento de diferentes patologias.